Sobre Histórias e possibilidades Contar histórias é uma arte tão antiga quanto a humanidade. Por meio delas vivenciamos conexões, trocas e aprendizados. Você já teve a sensação de ao escutar determinada história, ao mesmo tempo que pudesse parecer tão distante da sua realidade, ela era como um espelho da sua vida? Já tive este tipo de experiência com as histórias. De forma delicada, sutil, elas despertaram reflexões e abriram possibilidades sobre situações tão complexas pra mim, que seria impossível não reconhecer seu poder. Quando compartilho histórias não acredito que naquele instante haja somente entretenimento, sempre penso que existem possibilidades. Acredito que esta seja uma oportunidade de convidar outros a verem o mundo através de diferentes lentes, e além de conseguirem, naquele momento de suas vidas, acessarem novos lugares, por alguns segundos viverem várias vidas em uma. Lembro-me, com alegria, de uma das minhas últimas viagens ao nordeste. Era fim de tarde, eu estava ao lado de tia Antonina, de 85 anos, sentada em roda com alguns parentes e amigos na calçada de sua casa, em busca do vento pra refrescar. Ela acariciou minha mão, e quando a olhei abriu um sorriso, num gesto de cumplicidade. Enquanto eu retribuía seu carinho, ela começou a falar sobre a época de sua infância e como era viver naquele casebre com tantos irmãos. Foi uma narrativa breve, mas cheia de significado. Ela compartilhou ali, na roda, quase sussurrando, somente pra mim. Sim, as outras pessoas continuavam na roda, mas enquanto ela tecia sua história o que estava ao nosso redor parecia desaparecer. Éramos somente ela e eu, conectadas somente por partilharmos a vida. Narrativas / Saiba mais aqui! É isso. As possibilidades na partilha de histórias são para quem conta e também para quem escuta, quebrando resistências e construindo pontes que humanizam, despertando curiosidade, imaginação e empatia. É renovador ver o brilho de uma criança quando ela faz uma descoberta por meio de uma história, ou o sorriso de um adulto, quando uma simples fábula lhe revela uma verdade profunda. Histórias têm esse poder: o de tocar a alma de forma delicada e ao mesmo tempo transformadora.
Criança Fazendo Arte Antigamente, ou talvez ainda em alguns cantos esquecidos do hoje, a expressão “fazer arte” carregava um quê de travessura, de algo que merecia um olhar repreensivo. “As crianças estão fazendo arte” não era exatamente a frase que enchia o coração dos adultos de alegria. E se, entre essas artes, desponta o desejo de ser artista? Mas, ah!, quão limitada era essa visão! Fazer arte… deveríamos todos mergulhar nesse mar, principalmente as crianças. E isso não está ligado ás artes que colocam os pequenos sob os holofotes, os fazendo recitar versos na igreja ou na escola, mas algo mais profundo, relacionado à essência. A arte tem o poder de despertar a criatividade, empatia e a capacidade de olhar o mundo com olhos questionadores. Sendo assim pode agregar na formação de seres humanos inteiros, capazes de sentir e pensar com profundidade. Entre tantos caminhos que a arte nos convida a percorrer, o teatro sempre foi para mim um dos mais fascinantes. Talvez seja pela magia do encontro, pela dança das interações que sai do palco e se estende até quem assiste, envolvendo todos numa experiência comum. No teatro vejo a colaboração, essa habilidade tão preciosa e necessária, florescer de maneira única entre as crianças. Através dele, aprendem a escutar, a se colocar no lugar do outro, a construir juntos algo que só existe porque compartilharam suas ideias. Espetáculos / Saiba mais aqui! Deixemos as crianças “fazerem arte”. Elas podem pintar o mundo com as cores da imaginação, dançar na chuva das possibilidades, e encenar as histórias que brotam do coração. Pois ao fazerem arte, elas se tornam artistas da própria vida, desenhando futuros onde o ser é mais importante que o ter. Talvez todos nós deveríamos fazer um pouco mais de arte.
Inspirações entre partilhas Entre o burburinho de vozes e ideias sobre produção cultural entre o qual estava em 2018 uma semente preciosa foi plantada no solo fértil da minha imaginação: O meu primeiro projeto de contação de histórias. Algo que nasceu não apenas da mente, mas, sobretudo, do coração. A ideia surgiu quase como um sussurro, enquanto eu mergulhava nos estudos da produção cultural. Estava aprendendo sobre como trazer à vida eventos que pudessem tocar as pessoas de maneira significativa, quando percebi que as histórias que mais me moviam eram aquelas contadas de um jeito simples, mas profundamente tocante. Alimentada por conversas, aulas e leituras inspiradoras a ideia foi tomando forma. Eu ainda não sabia como seria, mas o que eu tinha como objetivo era que cada história que fosse contar fosse uma ponte, elo de conexão entre mim e o público, entre o imaginário e o real. Mas entre tanta coisa pra contar, escolher um tema parecia algo impossível. Foi aí que comecei a tentar “visualizar”meu público e pensar no que eu tinha para compartilhar com mais autonomia, e verdade e que poderia agregar de forma poética e artística. Como pequenos atos de coragem comecei a compartilhar com meus colegas de estudos as histórias que, de alguma forma, me tocavam e por algum motivo, que eu não sabia, me despertavam vontade de contar. Foi nesta partilha que percebi que a maior parte das histórias estavam ligadas à minha mãe. Histórias que eram dela, mas poderiam ser de qualquer pessoa, pois falavam de sentimentos universais como amor, saudade, alegria, superação. Minha Mãe Contou / Saiba mais aqui! Foi nesse período de aprendizado intenso e trocas riquíssimas que decidi dedicar meu primeiro projeto à narrativa da infância vivida pela minha mãe no sertão nordestino. Esse projeto não seria apenas sobre contar histórias, mas sobre resgatar e valorizar memórias, tradições e uma riqueza cultural tão importante pra mim. Que riqueza ter alguém na escuta de uma partilha. Às vezes não é sobre contar é sobre ser ouvido.